-Garçom,
por favor, me traz uma vodka com energético – pedi ao cara de gravata borboleta
preta e camisa social branca que parou ao lado da cadeira em que eu estava e me
ofereceu um sorriso.
-Sim,
senhorita. Deseja algo mais?
Ele de volta, pensei, para em seguida
negar com a cabeça. Onde aquele idiota está? Já devia ter chegado, quase uma
hora de atraso só é justificado por um AVC ou situação de quase morte parecida.
Mas no caso dele, podia ser só o cabelo, que não estava querendo ficar na
posição topete perfeito. O garçom trouxe a bebida. Tomei um grande gole sem
utilizar o canudo, na tentativa falha de me acalmar. Era meio desestimulante
estar ali esperando meu amigo num bar lotado de pessoas sorridentes e sociáveis,
enquanto eu era obrigada a olhar o celular de segundo em segundo esperando uma
resposta para as minhas 20 mensagens anteriores, e evitar a carranca. “ONDE
VOCÊ ESTÁ DEMÔNIO?”. Lá se foi a 21. Suspirei e bloqueei a tela do celular, mas
deixei minha mão por cima dele, para o caso de vibrar e eu não ouvir.
-Mas
não fica assim anjinha, não precisa de tanta tristeza.
Ouvi um
fungado, e em seguida um choro baixo.
-Mas...
Ele... Eu não...
-Eu sei
que não, mas foi o certo, ok? Era melhor pra vocês dois.
Engraçado, parece minha consciência falando
pra mim. E aprumei na cadeira e me estiquei um pouco para o lado da mesa
onde as meninas estavam.
-Mas
por que o certo tem que doer tanto?
-Amiga,
você só ia se machucar se levasse adiante. Ele não disse que precisava de
tempo? Você deu isso a ele, foi altruísta sim, mas pelo menos você respeitou a
vontade de uma pessoa que ama.
A
garota pareceu intensificar o choro. A verdade parecia machuca-la muito. Isso
às vezes me levava a me perguntar porque as pessoas não podem pelo menos se
iludir um pouco com mentiras e se permitirem serem felizes. A resposta me
acertava como um tapa segundos depois que eu me indagava.
-Mas é
injusto! – ela estava inconformada.
Não vi
a reação da amiga dela, mas tive a impressão de que ela a abraçou, pois o som
de choro ficou meio abafado. Cheguei a conclusão de que meus sentidos se
apuravam quando eu estava curiosa. Apertei o botão do celular, ainda não tinha
nenhuma resposta. Voltei a prestar atenção ao meu redor, esperando mais alguma
coisa daquele diálogo, o que não tardou muito.
-Sabe,
dói tanto ver seu nome no bate-papo do Facebook e saber que ele nem se
interessa em falar comigo, dói tanto saber que eu estou aqui chorando por ele,
e tem a grande probabilidade de ele estar com os amigos dele, nem lembrando que
eu existo. Machuca tanto me fazer de orgulhosa e não mandar nem um oi, me destrói
pensar que eu devia ter guardado todos aqueles eu te amo, que eu devia ter
guardado meu coração melhor. Quando eu vou poder me jogar de cabeça, sem me
preocupar em quebrar a cara?
Nossa,
esse discurso me pegou desprevenida. Eu sabia muito bem como ela se sentia.
Aliás, acho que todo mundo, homem e mulher, identifica alguma parte de sua vida
com as palavras daquela garota cujo rosto, corpo ou cabelo eu apenas imaginava
como eram.
-Eu te
entendo. Mas sabe que não foi em vão.
-Sei! –
ela quase gritou. – Eu sei! Por isso mesmo dói tanto. Se tivesse sido, se eu
realmente acreditasse que ele nunca sentiu nada por mim seria mais fácil. Mas
aí que fica o problema, eu acredito que ele realmente gostava de mim. O que eu
fiz de errado? – ela finalizou, mal conseguindo terminar a frase por conta do
choro que apertou.
Demorei
alguns segundos pra notar que meu celular vibrava em baixo da minha mão.
Atendi.
-Amor meu, de toda a minha vida! Tá
segurando algo pontiagudo?
-Não, Leo, ainda não.
Ufa, que bom, porque eu já estou chegando.
Mantenha-se longe das facas e garrafa, sei que sua mira não é muito boa, mas
tenho medo de me acertar quando estiver passando pela porta.
E
desligou. Atrevido! Se atrasa uma hora e ainda fresca com minha cara. Eu devia
mesmo pedir uma faca. Mas deixei o telefonema de lado e tentei voltar a prestar
atenção à conversa.
-Não
adianta. Eu sei que posso chorar um rio amazonas completo, ele não vai voltar
pra mim – aquela última frase saiu com sofreguidão, como se ela tivesse medo de
dizer e ser totalmente verdade.
Mas ao
que parece, era.
-Amiga,
você é linda, jovem, tem o coração grande e o sorriso fácil, não deixa ninguém
estragar isso. Não deixa que uma pessoa que cometeu a burrice de ir embora da
sua vida faça de você refém de seus próprios sentimentos. Não foi a primeira, e
nem será a última vez. Mas uma hora, vai dar certo.
Frases
prontas. Nossa, que original! Quando algum amigo meu resolve me consolar
bancando o Facebook, só consegue uma portada na cara, mas a garota parece que
se convenceu de que era melhor tentar absorver aquelas palavras, pois ficou em
silêncio.
-Não
deixe de ouvir músicas bonitas, românticas, ou ler livros melosos, não deixe
que alguém te estrague, não deixe que te esfriem. Seja quem for. Eu não o
conheci, mas tenho certeza de que em nenhum momento a intenção dele foi te
machucar. Tenho certeza de que foi só... Azar, uma obra do destino. Talvez
vocês fossem um pouco imaturos pro que estavam sentindo. Talvez ainda não fosse
a hora.
Ai! Não
é só de frases feitas que se fez aquela garota. Parece que ela andou lendo um
pouco mais do que as postagens dos poetas do Facebook. Senti até um pouquinho
de orgulho alheio. Tenho a impressão de que a outra menina se jogou nos braços
da amiga. Pelo menos era o que eu faria.
-Vamos
pra casa? Te faço um balde de pipoca e uma panela de brigadeiro.
A outra
gemeu animada e as ouvi chamando o garçom. Quando pagaram a conta, passaram ao
meu lado, assim pude dar forma às duas pessoas que conversaram quase comigo
durante aquela noite. Elas eram muito parecidas comigo, não fisicamente, mas
cada uma carregava consigo um pouco de mulher, e um pouco de menina. Cada uma
tinha marcas da vida no sorriso de criança. Cada uma tinha um pouco de fel no
doce dos olhos.
-Desculpa,
amoooooora da minha vida! Me atrasei um pouquinho, mas vou te contar, acordei
em um badhair day que só Afrodite na causa – gritou Leo, chegando coma sutileza de um elefante bailarino.
-Tudo
bem – respondi ainda pensando nas meninas que saíram há pouco do bar.
-Ué,
você ainda não gritou e não tentou me matar com a toalha da mesa. O que
aconteceu?
-Acho
que... Descobri que não estou sozinha.
Ele me
encarou com as sobrancelhas arqueadas, mas eu apenas sorri. Por um momento, eu
tinha esquecido disso. Que toda aquela dor me fazia humana, e se me fazia
humana, me fazia igual a muitas outras pessoas. Pessoas felizes, sorridentes,
que não se deixavam vencer pelas feridas, ou pessoas que simplesmente não
aguentavam a dor, que pereciam diante dos olhos de quem mais se preocupava com
elas. Eu tinha que escolher qual dessas eu ia ser. E eu não ia me render a um
sentimento, tendo tantos outros borbulhando dentro de mim. E o mais importante,
eu não estaria sozinha, com ou sem ele, com o coração inteiro ou estilhaçado. Eu
sempre teria alguém ao meu lado.