A rua estava escura, deserta, e
por mais perigoso que fosse, eu gostava assim. Talvez um pouco de chuva
tornasse tudo mais legal. Sim, a chuva, eu queria muito que o céu chorasse. Que
ele me ajudasse a chorar também, que suas doces lágrimas levassem as minhas
salgadas. Que seu riso descontente me trouxesse paz. Eu andava rápido, mas
minha intenção não era, nem de longe chegar rápido em casa. Era deixar pra trás
o que me acompanhava, o que vinha em minha mente e eu tentava me livrar.
Apressei o passo. Minha mente me
dizia que não ia adiantar. E não adiantava, a cada minuto estava mais forte,
mais pulsante ali, dentro da minha cabeça, a verdade que não queria me
abandonar. Eu achava levemente injusto, apesar de conhecer o mundo e saber que
seus seres eram por natureza mentirosos, sendo gentil, mas eu quis ser sincera,
eu quis me abrir, mas esse mesmo mundo me fechou, me manteve num casulo de
muros e grades, me mantém segura. A rua parecia mais comprida do que era, mas
contraditoriamente, eu tinha e impressão de que seu fim estava próximo. O fim
que eu não queria chegar.
Andei devagar, e a verdade me
acompanhou, fechei os olhos e tentei não ver. Estava na minha cara, clara como
águas de um rio cristalino, como um letreiro em neon de um motel de beira de
estrada. Fria, assim como a chuva que não caía, ferina, assim como a arma de um
assassino que perambulava pelas ruas à espera da próxima vítima. Ela ia, e eu
tentava ficar. Mas não cabia a mim conseguir escapar.
Cada história tem suas variações.
Cada verdade tem suas interpretações. Ora, e por que não? Por que não deixar
que a vida interprete por mim? Um lado do mundo eu conheço, mas tantas outras
faces me são escondidas. A verdade estava ali, cabia a mim despi-la e encontrar
minha versão do conto. Um homem de bicicleta passou por mim e me disse algo que
não consegui decifrar. Ao notar minha confusão, ele gritou:
-Vá pra casa menina, o mundo é
cruel com aqueles que dão a chance.
Era isso que eu tinha que fazer,
não dar a chance de o mundo me passar pra trás. Dobrei a próxima esquina, um
quarteirão antes do fim da rua, antes da próxima avenida, e, embora eu já
tivesse passado da minha casa, me sentia mais segura do que nunca. A rua escura
se iluminou um pouco, o frio beijava-me como se quisesse me galantear, e veja só,
um pingo de água caiu em minha testa, olhei pra cima e a chuva disparou sua
caminhada das nuvens ao solo, do céu ao inferno.
Voltei dois quarteirões e parei
no portão da minha casa, ainda conseguia ver o fim da rua, mas a questão é que
não precisei chegar lá, não precisei do fim pra achar a saída. E era assim
mesmo que eu ia levar, dobrando esquinas até que o fim fosse melhor que a curva.