terça-feira, 26 de agosto de 2014

(Apenas) mais uma

O burburinho ainda estava baixo, afinal, a faculdade inteira estava em aula, e os poucos alunos que estavam fora das salas, eu era uma delas, estavam concentrados em seus smartphones ou livros. O meu estava perto de acabar, e por mais que eu apreciasse a leitura, esperava que acabasse logo, não gosto de ficar com o que não é meu. Meus fones de ouvido gritavam no volume máximo em minhas orelhas, aquela sensação me agradava muito, e juntamente às palavras escritas pela alma do Engenheiros do Hawaii, me desligava do mundo ao meu redor.
Prossegui passeando pelas linhas, saboreando as palavras, ligando-as umas às outras, adaptando-as ao meu ponto de vista, adaptando o meu ponto de vista à elas. Um parágrafo em especial me cativou de uma maneira que quis guardar aquelas palavras para mim, e não só na minha memória limitada. Puxei um bloquinho de papel e uma caneta da bolsa, e anotei o verso, reconheci pra mim mesma o que tantas pessoas já haviam me dito, o quanto minha letra era feia e quase ilegível, e um suspiro me acometeu. Era uma ironia gostar tanto de escrever e meu punho não saber confeccionar palavras direito, de modo agradável a vista. Talvez eu tenha deixado mais de escrever por causa disso, eu não queria mais que ninguém lesse, eu não queria mais ouvir piadas sobre isso. Bobagem? Talvez.
O mp3 parou repentinamente, me tirando a concentração do bloquinho. Estava no meio de uma das minhas músicas preferidas, que tinha tudo a ver com o versinho que falava de amor, mas como eu já disse, minha memória é bastante limitada, então não sei que música tocava, eu sei apenas que ela me tocava. Frustrada, comecei a cantarolar a música baixinho, meu inglês não era bom, e eu sei, pelo menos, que essa era a língua nativa da canção de segundos atrás. Parei de cantar quando notei que pessoas se aproximavam no corredor. Mais uma vez lembrei de críticas não-construtivas, desta vez sobre minha voz. Eu sabia que não cantava bem, e nunca almejei viver de música, então por que todos insistiam em criticar algo que eu só fazia por prazer, e normalmente quando não tinha ninguém pra ouvir?
Fechei os olhos e tentei lembrar o próximo refrão, mas as risadas altas que se aproximavam descendo as escadas me desconcentraram. Risadas desconhecidas de pessoas que eu cruzava o caminho todos os dias. De pessoas que talvez conhecessem meu rosto só por vista, mas talvez nunca tivessem ouvido minha voz, e que com certeza nunca viram minha letra. Pessoas que não ligavam pra minha existência, ou que me observavam ao longe, se perguntando talvez onde eu tinha comprado minha blusa, ou qual seria meu nome. Ou simplesmente me olhassem apenas por estar no caminho, assim como eu as olhava, sem querer saber mais, me contentando com uma breve conexão ocular de dois segundos. Para aquelas pessoas, eu era apenas mais uma, mais uma aluna daquela faculdade, mais uma garota que estava sentada no banquinho daquele corredor no horário de aula, mais uma garota que gostava de Humberto Gessinger e de livros, de música e de azul (a cor do mp3), que tinha a letra feia e a voz desafinada. Mais uma garota sozinha.

Olhei no relógio, estava quase na hora do intervalo, e os corredores antes silenciosos agora estavam apinhados de pessoas conversando e rindo, cruzando com rostos desconhecidos e sem se preocupar com o nome ou a voz desses rostos. Achei um rosto que eu conhecia em meio àquela multidão de pessoas estranhas a mim, embora eu as visses quase todos os dias. Para aquele rosto familiar, eu não era apenas mais uma garota sozinha sentada num banco no corredor em horário de aluna, talvez eu fosse mais uma amiga que gosta de batom vermelho e que queria alargar a orelha, mais uma amiga que tinha um blog, e que se preocupava com as pessoas ao seu redor, que gostava de nota-las quando não tinha mais nada pra fazer. Que gostava de livros e de Engenheiros. Eu era mais uma garota de 20 anos que tinha tudo e nada a ver com todos ao meu redor, que era igual e ao mesmo tempo, o oposto de quem cruzava meu caminho, conhecido ou não. Eu era mais uma, mas nem sempre, e nem pra todos, eu era apenas mais uma.