O burburinho ainda estava baixo,
afinal, a faculdade inteira estava em aula, e os poucos alunos que estavam fora
das salas, eu era uma delas, estavam concentrados em seus smartphones ou
livros. O meu estava perto de acabar, e por mais que eu apreciasse a leitura,
esperava que acabasse logo, não gosto de ficar com o que não é meu. Meus fones
de ouvido gritavam no volume máximo em minhas orelhas, aquela sensação me
agradava muito, e juntamente às palavras escritas pela alma do Engenheiros do
Hawaii, me desligava do mundo ao meu redor.
Prossegui passeando pelas linhas,
saboreando as palavras, ligando-as umas às outras, adaptando-as ao meu ponto de
vista, adaptando o meu ponto de vista à elas. Um parágrafo em especial me
cativou de uma maneira que quis guardar aquelas palavras para mim, e não só na
minha memória limitada. Puxei um bloquinho de papel e uma caneta da bolsa, e
anotei o verso, reconheci pra mim mesma o que tantas pessoas já haviam me dito,
o quanto minha letra era feia e quase ilegível, e um suspiro me acometeu. Era
uma ironia gostar tanto de escrever e meu punho não saber confeccionar palavras
direito, de modo agradável a vista. Talvez eu tenha deixado mais de escrever
por causa disso, eu não queria mais que ninguém lesse, eu não queria mais ouvir
piadas sobre isso. Bobagem? Talvez.
O mp3 parou repentinamente, me
tirando a concentração do bloquinho. Estava no meio de uma das minhas músicas
preferidas, que tinha tudo a ver com o versinho que falava de amor, mas como eu
já disse, minha memória é bastante limitada, então não sei que música tocava,
eu sei apenas que ela me tocava. Frustrada, comecei a cantarolar a música
baixinho, meu inglês não era bom, e eu sei, pelo menos, que essa era a língua
nativa da canção de segundos atrás. Parei de cantar quando notei que pessoas se
aproximavam no corredor. Mais uma vez lembrei de críticas não-construtivas,
desta vez sobre minha voz. Eu sabia que não cantava bem, e nunca almejei viver
de música, então por que todos insistiam em criticar algo que eu só fazia por
prazer, e normalmente quando não tinha ninguém pra ouvir?
Fechei os olhos e tentei lembrar
o próximo refrão, mas as risadas altas que se aproximavam descendo as escadas
me desconcentraram. Risadas desconhecidas de pessoas que eu cruzava o caminho
todos os dias. De pessoas que talvez conhecessem meu rosto só por vista, mas
talvez nunca tivessem ouvido minha voz, e que com certeza nunca viram minha
letra. Pessoas que não ligavam pra minha existência, ou que me observavam ao
longe, se perguntando talvez onde eu tinha comprado minha blusa, ou qual seria
meu nome. Ou simplesmente me olhassem apenas por estar no caminho, assim como
eu as olhava, sem querer saber mais, me contentando com uma breve conexão
ocular de dois segundos. Para aquelas pessoas, eu era apenas mais uma, mais uma
aluna daquela faculdade, mais uma garota que estava sentada no banquinho
daquele corredor no horário de aula, mais uma garota que gostava de Humberto
Gessinger e de livros, de música e de azul (a cor do mp3), que tinha a letra
feia e a voz desafinada. Mais uma garota sozinha.
Olhei no relógio, estava quase na
hora do intervalo, e os corredores antes silenciosos agora estavam apinhados de
pessoas conversando e rindo, cruzando com rostos desconhecidos e sem se
preocupar com o nome ou a voz desses rostos. Achei um rosto que eu conhecia em
meio àquela multidão de pessoas estranhas a mim, embora eu as visses quase
todos os dias. Para aquele rosto familiar, eu não era apenas mais uma garota
sozinha sentada num banco no corredor em horário de aluna, talvez eu fosse mais
uma amiga que gosta de batom vermelho e que queria alargar a orelha, mais uma
amiga que tinha um blog, e que se preocupava com as pessoas ao seu redor, que
gostava de nota-las quando não tinha mais nada pra fazer. Que gostava de livros
e de Engenheiros. Eu era mais uma garota de 20 anos que tinha tudo e nada a ver
com todos ao meu redor, que era igual e ao mesmo tempo, o oposto de quem
cruzava meu caminho, conhecido ou não. Eu era mais uma, mas nem sempre, e nem
pra todos, eu era apenas mais uma.