sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Se sozinha não quer mais ficar

                -Garçom, por favor, me traz uma vodka com energético – pedi ao cara de gravata borboleta preta e camisa social branca que parou ao lado da cadeira em que eu estava e me ofereceu um sorriso.
                -Sim, senhorita. Deseja algo mais?
                Ele de volta, pensei, para em seguida negar com a cabeça. Onde aquele idiota está? Já devia ter chegado, quase uma hora de atraso só é justificado por um AVC ou situação de quase morte parecida. Mas no caso dele, podia ser só o cabelo, que não estava querendo ficar na posição topete perfeito. O garçom trouxe a bebida. Tomei um grande gole sem utilizar o canudo, na tentativa falha de me acalmar. Era meio desestimulante estar ali esperando meu amigo num bar lotado de pessoas sorridentes e sociáveis, enquanto eu era obrigada a olhar o celular de segundo em segundo esperando uma resposta para as minhas 20 mensagens anteriores, e evitar a carranca. “ONDE VOCÊ ESTÁ DEMÔNIO?”. Lá se foi a 21. Suspirei e bloqueei a tela do celular, mas deixei minha mão por cima dele, para o caso de vibrar e eu não ouvir.
                -Mas não fica assim anjinha, não precisa de tanta tristeza.
                Ouvi um fungado, e em seguida um choro baixo.
                -Mas... Ele... Eu não...
                -Eu sei que não, mas foi o certo, ok? Era melhor pra vocês dois.
                Engraçado, parece minha consciência falando pra mim. E aprumei na cadeira e me estiquei um pouco para o lado da mesa onde as meninas estavam.
                -Mas por que o certo tem que doer tanto?
                -Amiga, você só ia se machucar se levasse adiante. Ele não disse que precisava de tempo? Você deu isso a ele, foi altruísta sim, mas pelo menos você respeitou a vontade de uma pessoa que ama.
                A garota pareceu intensificar o choro. A verdade parecia machuca-la muito. Isso às vezes me levava a me perguntar porque as pessoas não podem pelo menos se iludir um pouco com mentiras e se permitirem serem felizes. A resposta me acertava como um tapa segundos depois que eu me indagava.
                -Mas é injusto! – ela estava inconformada.
                Não vi a reação da amiga dela, mas tive a impressão de que ela a abraçou, pois o som de choro ficou meio abafado. Cheguei a conclusão de que meus sentidos se apuravam quando eu estava curiosa. Apertei o botão do celular, ainda não tinha nenhuma resposta. Voltei a prestar atenção ao meu redor, esperando mais alguma coisa daquele diálogo, o que não tardou muito.
                -Sabe, dói tanto ver seu nome no bate-papo do Facebook e saber que ele nem se interessa em falar comigo, dói tanto saber que eu estou aqui chorando por ele, e tem a grande probabilidade de ele estar com os amigos dele, nem lembrando que eu existo. Machuca tanto me fazer de orgulhosa e não mandar nem um oi, me destrói pensar que eu devia ter guardado todos aqueles eu te amo, que eu devia ter guardado meu coração melhor. Quando eu vou poder me jogar de cabeça, sem me preocupar em quebrar a cara?
                Nossa, esse discurso me pegou desprevenida. Eu sabia muito bem como ela se sentia. Aliás, acho que todo mundo, homem e mulher, identifica alguma parte de sua vida com as palavras daquela garota cujo rosto, corpo ou cabelo eu apenas imaginava como eram.
                -Eu te entendo. Mas sabe que não foi em vão.
                -Sei! – ela quase gritou. – Eu sei! Por isso mesmo dói tanto. Se tivesse sido, se eu realmente acreditasse que ele nunca sentiu nada por mim seria mais fácil. Mas aí que fica o problema, eu acredito que ele realmente gostava de mim. O que eu fiz de errado? – ela finalizou, mal conseguindo terminar a frase por conta do choro que apertou.
                Demorei alguns segundos pra notar que meu celular vibrava em baixo da minha mão. Atendi.
                -Amor meu, de toda a minha vida! Tá segurando algo pontiagudo?
                -Não, Leo, ainda não.
                Ufa, que bom, porque eu já estou chegando. Mantenha-se longe das facas e garrafa, sei que sua mira não é muito boa, mas tenho medo de me acertar quando estiver passando pela porta.
                E desligou. Atrevido! Se atrasa uma hora e ainda fresca com minha cara. Eu devia mesmo pedir uma faca. Mas deixei o telefonema de lado e tentei voltar a prestar atenção à conversa.
                -Não adianta. Eu sei que posso chorar um rio amazonas completo, ele não vai voltar pra mim – aquela última frase saiu com sofreguidão, como se ela tivesse medo de dizer e ser totalmente verdade.
                Mas ao que parece, era.
                -Amiga, você é linda, jovem, tem o coração grande e o sorriso fácil, não deixa ninguém estragar isso. Não deixa que uma pessoa que cometeu a burrice de ir embora da sua vida faça de você refém de seus próprios sentimentos. Não foi a primeira, e nem será a última vez. Mas uma hora, vai dar certo.
                Frases prontas. Nossa, que original! Quando algum amigo meu resolve me consolar bancando o Facebook, só consegue uma portada na cara, mas a garota parece que se convenceu de que era melhor tentar absorver aquelas palavras, pois ficou em silêncio.
                -Não deixe de ouvir músicas bonitas, românticas, ou ler livros melosos, não deixe que alguém te estrague, não deixe que te esfriem. Seja quem for. Eu não o conheci, mas tenho certeza de que em nenhum momento a intenção dele foi te machucar. Tenho certeza de que foi só... Azar, uma obra do destino. Talvez vocês fossem um pouco imaturos pro que estavam sentindo. Talvez ainda não fosse a hora.
                Ai! Não é só de frases feitas que se fez aquela garota. Parece que ela andou lendo um pouco mais do que as postagens dos poetas do Facebook. Senti até um pouquinho de orgulho alheio. Tenho a impressão de que a outra menina se jogou nos braços da amiga. Pelo menos era o que eu faria.
                -Vamos pra casa? Te faço um balde de pipoca e uma panela de brigadeiro.
                A outra gemeu animada e as ouvi chamando o garçom. Quando pagaram a conta, passaram ao meu lado, assim pude dar forma às duas pessoas que conversaram quase comigo durante aquela noite. Elas eram muito parecidas comigo, não fisicamente, mas cada uma carregava consigo um pouco de mulher, e um pouco de menina. Cada uma tinha marcas da vida no sorriso de criança. Cada uma tinha um pouco de fel no doce dos olhos.
                -Desculpa, amoooooora da minha vida! Me atrasei um pouquinho, mas vou te contar, acordei em um badhair day que só Afrodite na causa – gritou Leo, chegando coma  sutileza de um elefante bailarino.
                -Tudo bem – respondi ainda pensando nas meninas que saíram há pouco do bar.
                -Ué, você ainda não gritou e não tentou me matar com a toalha da mesa. O que aconteceu?
                -Acho que... Descobri que não estou sozinha.

                Ele me encarou com as sobrancelhas arqueadas, mas eu apenas sorri. Por um momento, eu tinha esquecido disso. Que toda aquela dor me fazia humana, e se me fazia humana, me fazia igual a muitas outras pessoas. Pessoas felizes, sorridentes, que não se deixavam vencer pelas feridas, ou pessoas que simplesmente não aguentavam a dor, que pereciam diante dos olhos de quem mais se preocupava com elas. Eu tinha que escolher qual dessas eu ia ser. E eu não ia me render a um sentimento, tendo tantos outros borbulhando dentro de mim. E o mais importante, eu não estaria sozinha, com ou sem ele, com o coração inteiro ou estilhaçado. Eu sempre teria alguém ao meu lado.

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