Você sabe o que é isso? Olhar sob seus pés e não ver chão?
Claro que sabe. Todos sabemos como é essa sensação de estar flutuando no vácuo,
sem caminho, sem direção, sem sentido, sem ar. Ultimamente isso vem sendo
frequente aqui dentro do peito, essa sensação de imensidões sem fim, de não ter
rumo. Agora me diga, isso é normal?
De noite, deitada em minha cama com a luz apagada, a
televisão desligada e o mundo silencioso, o teto branco não acha mais o que
refletir, estar com os olhos fechados é a mesma coisa de mantê-los abertos.
Isso me assusta. Como se o mundo dos sonhos e o mundo real fossem a mesma
coisa, e eu não saberia dizer qual deles mais têm monstros, qual deles mais me
assombra quando as luzes somem.
Feche os olhos, isso te assusta? Se não vê fantasmas a te
assombrar, você tem sorte, ou talvez eu seja a única a ter azar. Eles estão
sempre aqui, pra lembrar, pra maltratar, pra voltar a magoar. Não sei porquê,
não sei porque não vão embora e deixam minha alma já tão torturada em paz.
Carcereiros que empunham suas armas, sempre apontadas para
um coração que teme o julgamento, a última palavra do juiz. Veredicto inocente?
Liberdade? Não passam de sonhos. Sempre estarão lá. Sempre haverá uma nova
acusação. E o réu, coitado, não sei como aguenta tanta pressão. Não sei como
ainda não pediu a forca como forma de liberdade.
Ah, são tantas metáforas,
tantas histórias fantasiosas acerca de um mesmo tema tão simples, tão cotidiano.
Mas afinal, no escuro a imaginação perde os limites, os fantasmas ganham força,
e só o que pode salvar é a luz, aquela luz que talvez esteja dormindo ao seu
lado, ou talvez do outro lado do oceano pacífico. Essa luz que na escuridão
pode se tornar algo assombroso. No escuro, nada é o que parece ser.