Aquela sempre foi a pior parte do dia.
A hora de voltar pra casa. Sozinha, com meus fones de ouvido
apagando a maior parte das pessoas ao meu redor. A rua com aquela horrorosa
iluminação laranja que tanto tirava a emoção das coisas. Várias pessoas falavam
ao meu redor, mas a melodia da canção era a única coisa em que me prendia.
Esse era o momento em que a solidão tanto apertava. Não
podia conversar no celular, não tinha com quem falar pessoalmente... Era a
perfeita definição de sentir-se sozinha.
A cada ônibus que dobrava a esquina, meu coração se enchia
de esperança, até que o letreiro laranja me dissesse que não era ele que me
levaria até meu destino. Fitei a rua com desinteresse, enquanto a música era
substituída. Em meio a tantos pretos, loiros e castanhos, enxerguei uma cor
diferente, que não estava nem perto do meu vermelho costumeiro. Era roxo. Me
estiquei um pouco na ponta dos pés para tentar vislumbrar aquelas madeixas
coloridas que haviam me chamado a atenção.
Era uma pessoa magra, com olhos um pouco puxados, cabelos
curtos e hipnotizante. Ela passou por mim sem que eu conseguisse desgrudar os
olhos dela. Tão... chamativa. Virei-me de costas para continuar olhando sem que
ao menos me desse conta. Mas uma de suas amigas percebeu meu olhar antes mesmo
de mim, e a cutucou, fazendo-a virar-se para mim. Ela olhou em meus olhos e
sorriu, enquanto um calafrio percorreu minha coluna e eu voltei rapidamente a
posição anterior, sem saber com certeza se eu havia sorrido de volta, ou se
aquele sorriso bobo só estava no meu rosto depois de não ter mais contato com
seus olhos. Que, por sinal, percebi serem um pouco mais hipnotizantes que seus
cabelos. Sentia meu rosto queimar e meu coração disparar. “Droga!”
Tentei manter-me neutra e exalar indiferença. Mas cada
célula do meu corpo implorava pra eu olhar pra trás e contemplar novamente aquela
figura tão peculiar. Quando finalmente decidi que não era uma opção, o ônibus
virou a esquina, fazendo com que várias pessoas se aglomerassem em frente a
porta de entrada. Percebi que ela também subiria no ônibus. E talvez fosse prepotência
minha, mas ela também pareceu me perceber, pois o olhar e o sorriso continuavam
ali.
Quando as portas finalmente se fecharam, me encaixei em um
cantinho que cabiam no máximo duas pessoas. Tirei o celular da bolsa e respondi
algumas mensagens, esquecendo-me dos cabelos roxos por um tempo. Senti alguém
encostar de leve em meu braço, mas não me importei muito em olhar quem era, até
que uma cor surgiu na minha visão periférica. Levantei os olhos os arregalando
um pouco, e dei de cara com ela. Não me olhava, sorria para uma de suas amigas,
e eu não consegui desviar o olhar daquele sorriso.
Ela pareceu perceber meu olhar, pois virou-se pra mim, porém
o sorriso continuava ali, e talvez fosse delírio meu, mas parecia ter
alargado-se um pouco. Dessa vez tenho convicção de que sorri de volta, mas
baixei o olhar rapidamente para o celular de novo, sentindo minhas bochechas enrubescidas.
A parada em que eu desceria estava perto, mas eu não tinha
criado coragem para olhá-la de novo, sua pele quente ainda tocava a minha, e
minha vontade de acabar com aquele contato era inexistente. Só que era preciso.
Criei coragem para olhá-la uma última vez. Ela me olhou de volta, com aquele
sorriso que inexplicavelmente parecia o mais bonito que eu já vira.
Sorri de volta, dessa vez sem desviar o contato. Passei a
catraca e dei sinal. Olhei para o fundo do ônibus mais uma vez e me despedi da
visão daquele sorriso encantador e daqueles olhos hipnotizantes. Algo ali, no
modo como ela agia, me fazia pensar que não era a última vez que nós cruzaríamos
sorrisos.
Mas o único modo de saber seria chegando a pior parte do dia
seguinte. Que agora, não parecia tão ruim assim.