segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Apenas um produto

Me olha de verdade, dentro dos meus olhos, diz o que vê ali. Por favor, esqueça o resto do corpo, diga-me o que sente quando conversamos, quando escuta minhas ideias e meus ideais, me diz como enxerga minha forma de pensar e como minha voz mexe contigo.
Me diz que o que te fez se interessar foi aquele post inteligente, ou aquela piada besta. Me diz que vê mais que o que está exposto, me diz que quer conhecer mais que isso, que esse balcão que me sinto exposta não é de verdade, que ele só faz parte dos meus medos, dos meus pesadelos.
Me diz que eu sou mais que isso, me ajuda a acreditar, me diz que isso não é o melhor que posso ser. Qual a graça de ser quem sou, se as pessoas só ligam pro que aparento? Qual a graça de pessoas que só enxergam o que seus olhos podem captar?
Emagreça, tire a roupa, está gostosa, ficaria mais bonita assim, manda uma foto, como está vestida, qual a cor da calcinha.... Ninguém nunca me pergunta se estou feliz, ninguém nunca pergunta se pode fazer algo pra ajudar. Ninguém se importa com as lágrimas silenciosas que por vezes são derramadas em locais inapropriados. Ninguém liga pro vazio que aqui se esconde, mesmo que às vezes ele pareça tão explicito.
Eu sempre estou lá, exposta, como uma carcaça vazia que não mais tem a apresentar, como uma boneca, ou um pedaço de carne pendurado no açougue. Era pra ter acostumado, era pra eu saber que ninguém liga pro que tem, era pra ter compreendido que eu era isso, feita pra vender, não pra impressionar.
Meus pedidos de ajuda ficaram mudos, ninguém me socorria. O fardo em minhas costas pesava, mas não ia embora.
Não sabia se o problema era eu, ou os outros, mas sabia que não ia acabar.

Me diz, por favor, que estou errada.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Pensamentos tolos

Era quente, ela sabia que sim. Sonhava acordada pensando em tocá-lo, em acaricia-lo, em poder sentir seus lábios e saboreá-los. Ansiava sua pele como se fosse uma droga negada a uma viciada. Ela temia que esse vício fosse real. Às vezes tinha a impressão de que, se um dia tivesse a chance de consumar seus desejos, nunca mais conseguiria larga-lo. Pensamentos tolos de uma mente fervilhante.
Observava-o de longe, cada curva sua a fazia tremer, ouvi-lo falar trazia-lhe uma sensação prazerosa. Gostaria de observa-lo divagar por horas, enquanto segurava sua mão e brincava com os fios de sua barba. Gostaria de observa-lo no dia a dia, de decorar cada centímetro de sua pele e seus trejeitos. Caso houvesse como, gostaria de se especializar nele, saber tudo o que havia.
Adorava seus olhos, principalmente quando lhe fitavam. Sentia as bochechas corarem e uma vontade súbita de rir nervosa, mas mesmo assim, seu íntimo desejava que nunca desviasse o olhar. Tão boba, tão sonhadora. Sabia o quanto era inútil reviver suas conversas e ansiá-lo. Era inalcançável, de fato. Mas ela não podia evitar. Não queria.
Desejava ter mais lembranças com as quais divagar.
Desejava que as conversas durassem mais.
Desejava que ele também quisesse.
Desejava não ter que divagar tanto.
Desejava-o.
Mas ela era apenas uma sonhadora

Que sonhava com o impossível

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Madrugada

Fitei novamente o céu pouco estrelado, as luzes da cidade, as nuvens, tudo isso ocultava os pequenos pontos brilhosos que me traziam paz. A madrugada se arrastava com preguiça, e eu estava ligada, como se tivesse tomado energético, ou usado algo. Mas estava sóbria. A noite inteira me acompanhava pesarosamente como se tivesse pena de mim. Eu estava só. Não que fosse um acontecimento raro. Na verdade, era exatamente igual a todas as outras. Voltei o olhar pra tela do computador onde uma música calma tocava baixinho. Nessas horas eu tinha medo de falar, como se o universo inteiro fosse capaz de ouvir meus sussurros. Mas no fundo eu sabia que ninguém ia escutar. Mesmo se eu gritasse ao mundo minhas frustrações, ninguém iria escutar. Nunca escutam.
Tive de me retesar um pouco pra não sentir aquele aperto no coração que sempre me acometia nessas horas. Levei a ponta do dedo indicador à boca e pressionei meus dentes com um pouco de força. Um dor pra esquecer a outra, é o que dizem.
Troquei a música. Sempre me traziam lembranças aquelas melodias. O repertório no aleatório poderia ser cruel quando queria. E normalmente ele se empenhava nisso no alto da madrugada, quando a única coisa que podia me chamar a atenção eram as nuvens que passeavam pelo céu como se não tivessem pressa. Irônico, eu mal podia esperar para o sol nascer, e aquela angustia se por junto com a lua. Pelo menos até a próxima madrugada eu estaria salva.
Apesar da melancolia, havia tanta coisa ali para contemplar. O silencio dava a impressão de que os problemas não existiam, o mundo dormia e levava com ele minhas preocupações diárias. Ironicamente, elas pareciam fantasmas a me aterrorizar. Não existiam, mas me assombravam. Se é que isso faz sentido. Ou não. Pouca coisa parecia fazer sentido aquela hora.
Aquele costumeiro líquido quente que sempre fazia de minhas bochechas seu caminho se fez presente. Caso alguém perguntasse, não saberia responder. Eu só sabia que não podia para-lo. Não queria. Talvez, eu sempre pensava, se eu deixa-lo escorrer, essa sensação passe. Mas não passava. Enxuguei o rosto e fitei o céu novamente, os primeiros raios da manhã pintavam o céu. Antes de a lua se por, antes do sol nascer. Meu único ponto de paz. Quando o céu parecia tão confuso quanto eu. Quando a bela paisagem afastava qualquer pensamento. Bom ou ruim.

Fechei a janela depois de uns minutos, aquela madrugada tinha chegado ao fim. Na noite seguinte, tudo se repetiria. Mas naquele momento, tudo tinha acabado. Um dia após o outro, é o que dizem.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Grades

Naquela noite, olhei para o horizonte
Distante, como manda a música
Inalcançável, como ditam os poemas
Mas naquela noite parecia incrivelmente...
Impossível
Talvez fossem as grades da prisão
Talvez as grades fossem a vida nos dizendo que não há prisão
Não há prisão maior do que aquela que nós nos condicionamos
Nós escolhemos
Seremos prisioneiros de nós mesmos?
Mas eu não quero assim
Mas vive assim?
Escolha
Escolha se libertar das amarras
Escolha ser livre
Viver
Viver como você é, sem medo
Medo de quê?
O que tanto nos amedronta?
Talvez o medo seja nossa eterna prisão
Mas o que vale a pena nos libertarmos?
O que vale sair do seguro e nos jogarmos no escuro?
O que vale mais do que aquela paz?
Aquela mensagem?
O que vale mais do que o que você sente?
Muita coisa
Mas realmente vale?
E o que sobra?
Você
Seja isso, e nada mais importará
Viva o que sente
E nada mais será tão grande assim
Viva
Seja
Ame
E nada mais será assim
Grade
Prisão
Nada mais será tão ruim
Ame de novo
Seja aquele que quer ser
Escute
Viva
Aprenda
E nada daquilo será novamente
As grades da varanda que te seguram
As prisões da vida
Que te limitam
Eu só quero que vivamos
Com ou sem porquê
Com ou sem motivo
Você sabe que sempre há
Você sabe que sempre estará lá
Então vá atrás
Livre-se delas
Deixe-as para trás
O que mais importa?
Se as grades não te impedem mais
O que mais importa, se livre nós estamos?
O que mais importa se as grades não existem mais?

Livre-se, viva, ame, e nunca mais será refém de si mesmo.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Concede-me?

Me concede esta dança?
Pegue minha mão e vem comigo. Parece ruim agora? Rodopie um pouco mais
Vamos, mexa os pés seguindo as notas
Vamos comigo, me siga
Me concede esta dança?
Parece ruim ainda?
Talvez estejamos errados
Talvez não saibamos dançar
Mas você pegou minha mão, agora seja leve.
Se leve
Deixe-me te levar
Me concede esta dança?
Sorria pra mim como manda a canção
Vamos lá, um, dois, um, dois
Deixe tudo lá fora, fora da pista de dança, fora do nosso espaço
Vamos lá, estamos no caminho certo
Deixe que chegue a alma
Deixe que sua alma dança com a gente, sempre tem espaço pra mais um
Deixe as notas pulsarem junto com seu coração
Deixe que elas sejam o motivo do teu sincero sorriso
E se eu te pedir de novo, me concede esta dança?
Vamos, só mais um pouco e nós chegamos lá
É sua favorita?
Agora vai ser
Então não deixe-a morrer aí
Quando lembrar dela sorria, siga os passos, um, dois, giro
Quando girar, sorria mais, não precisa focar em nada
Mas se quiser, eu estarei aqui
Caso seus olhos precisem de um alvo
Eu estarei te observando
Sempre dançar
E te perguntarei de novo
Como da primeira vez

Me concede esta dança?

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Tons de roxo

Aquela sempre foi a pior parte do dia.
A hora de voltar pra casa. Sozinha, com meus fones de ouvido apagando a maior parte das pessoas ao meu redor. A rua com aquela horrorosa iluminação laranja que tanto tirava a emoção das coisas. Várias pessoas falavam ao meu redor, mas a melodia da canção era a única coisa em que me prendia.
Esse era o momento em que a solidão tanto apertava. Não podia conversar no celular, não tinha com quem falar pessoalmente... Era a perfeita definição de sentir-se sozinha.
A cada ônibus que dobrava a esquina, meu coração se enchia de esperança, até que o letreiro laranja me dissesse que não era ele que me levaria até meu destino. Fitei a rua com desinteresse, enquanto a música era substituída. Em meio a tantos pretos, loiros e castanhos, enxerguei uma cor diferente, que não estava nem perto do meu vermelho costumeiro. Era roxo. Me estiquei um pouco na ponta dos pés para tentar vislumbrar aquelas madeixas coloridas que haviam me chamado a atenção.
Era uma pessoa magra, com olhos um pouco puxados, cabelos curtos e hipnotizante. Ela passou por mim sem que eu conseguisse desgrudar os olhos dela. Tão... chamativa. Virei-me de costas para continuar olhando sem que ao menos me desse conta. Mas uma de suas amigas percebeu meu olhar antes mesmo de mim, e a cutucou, fazendo-a virar-se para mim. Ela olhou em meus olhos e sorriu, enquanto um calafrio percorreu minha coluna e eu voltei rapidamente a posição anterior, sem saber com certeza se eu havia sorrido de volta, ou se aquele sorriso bobo só estava no meu rosto depois de não ter mais contato com seus olhos. Que, por sinal, percebi serem um pouco mais hipnotizantes que seus cabelos. Sentia meu rosto queimar e meu coração disparar. “Droga!”
Tentei manter-me neutra e exalar indiferença. Mas cada célula do meu corpo implorava pra eu olhar pra trás e contemplar novamente aquela figura tão peculiar. Quando finalmente decidi que não era uma opção, o ônibus virou a esquina, fazendo com que várias pessoas se aglomerassem em frente a porta de entrada. Percebi que ela também subiria no ônibus. E talvez fosse prepotência minha, mas ela também pareceu me perceber, pois o olhar e o sorriso continuavam ali.
Quando as portas finalmente se fecharam, me encaixei em um cantinho que cabiam no máximo duas pessoas. Tirei o celular da bolsa e respondi algumas mensagens, esquecendo-me dos cabelos roxos por um tempo. Senti alguém encostar de leve em meu braço, mas não me importei muito em olhar quem era, até que uma cor surgiu na minha visão periférica. Levantei os olhos os arregalando um pouco, e dei de cara com ela. Não me olhava, sorria para uma de suas amigas, e eu não consegui desviar o olhar daquele sorriso.
Ela pareceu perceber meu olhar, pois virou-se pra mim, porém o sorriso continuava ali, e talvez fosse delírio meu, mas parecia ter alargado-se um pouco. Dessa vez tenho convicção de que sorri de volta, mas baixei o olhar rapidamente para o celular de novo, sentindo minhas bochechas enrubescidas.
A parada em que eu desceria estava perto, mas eu não tinha criado coragem para olhá-la de novo, sua pele quente ainda tocava a minha, e minha vontade de acabar com aquele contato era inexistente. Só que era preciso. Criei coragem para olhá-la uma última vez. Ela me olhou de volta, com aquele sorriso que inexplicavelmente parecia o mais bonito que eu já vira.
Sorri de volta, dessa vez sem desviar o contato. Passei a catraca e dei sinal. Olhei para o fundo do ônibus mais uma vez e me despedi da visão daquele sorriso encantador e daqueles olhos hipnotizantes. Algo ali, no modo como ela agia, me fazia pensar que não era a última vez que nós cruzaríamos sorrisos.

Mas o único modo de saber seria chegando a pior parte do dia seguinte. Que agora, não parecia tão ruim assim.

sábado, 24 de setembro de 2016

Ela sabia?

Havia ali uma coisa que faltava. Obviamente, se faltava, não havia. Doces discordâncias. Mas se não havia, como sabia? Sentia falta, de fato. De quê? Se sabia, não dizia. Se sabia, não buscava. Apenas continuava tentando preenche-lo com formas que não encaixavam. Apenas tentava encher com água um buraco vazado. Nunca enchia. Nunca encaixava. Mas ela continuava.

Em noites insones como aquela, perguntava-se quantas mais pessoas passavam por aquilo. Quantas pessoas mais passavam por coisa pior? Mas ela mal sabia de si, imagina o que saberia dos outros. Ela ficava ali na cama, estática, olhando para além do que os olhos capturavam. Sorria para si mesma. E se perguntava se aqueles que diziam amá-la poderiam julgar quando esse sorriso por dentro estava quebrado. Ela um dia ouviu isso em uma música, e achou digno de se usar para mais situações além dos versos cantados para milhares de pessoas. Eles também tinham sorrisos quebrados, mas será que tinham quem se importasse? O que ela não tinha. Ninguém jamais a perguntou sobre a veracidade de seus sorrisos.

Sorriu mais uma vez. Talvez um sorriso vazio, combinando com seu interior. Quem podia culpa-la?
Aliás, quem poderia ajuda-la?

Ela não sabia o que estava procurando para preenche-la, mas talvez, apenas talvez, no fundo, tudo o que ela queria era um vazio que fosse parecido com o seu. Porque ela sabia, e você também sabe, os vazios sempre vão existir, a solução é achar quem os entenda. Quem os amenize.


Ela sabia disso. Muito bem.