Prólogo.
Pisquei duas vezes tentando
assimilar o que se passava. Uma parte de mim saltitava alegremente vendo a casa
aparentemente pequena a minha frente, outra estava basicamente em estado de
choque por ter que me mudar, por ter que sair de perto daquela família a qual
tomava como minha agora. Eu estava dividida entre tristeza e alegria, pesar e
alívio. Uma mão frenética me tirou de meus devaneios.
-Você não
está animada? – perguntou-me Marília, minha amiga há uns cinco anos, com a
euforia quase dançando ao seu redor de tão intensa e nítida.
-Claro
que estou – sorri – é só que é tão diferente, vou levar um tempo pra me
acostumar.
-Não
faça drama, ainda pode visita-los quando quiser, fica a meia hora daqui.
Assenti
e sorri novamente, eu estava sendo boba por estar triste, não era? Passei mais
de um ano sonhando com aquele dia, e agora ele chegou e tudo o que eu queria
era voltar ao tempo em que não existia essa perspectiva. Claramente eu estava
perdendo a sanidade mental. Mari sorriu de volta e começou a tagarelar sobre o
fato de sermos basicamente vizinhas agora, e como aquilo era legal e sobre eu
ter, enfim voltado à civilização depois de tanto tempo. Eu ria de suas palavras,
mas não encontrava nenhuma brecha pra entrar naquele monólogo, então deixei que
prosseguisse.
Cinco segundos depois, eu já não
prestava atenção ao que ela dizia, uma sensação incomoda se fixou na boca do
meu estômago, e um calafrio percorreu minha pele. Senti um olhar cravado em
minhas costas, e lentamente me virei para descobrir um senhor, devia ter uns 70
anos, me encarando da varanda da casa de frente pra minha. Ele parecia estar
sem comer há um mês, de tão deplorável que era seu estado físico, sua barba
branca e cheia e seu cabelo ralo não me deixaram dúvidas de que era um senhor
desleixado, o que entrava em perfeito contraste com as roupas formais e
elegantes que usava. Franzi o cenho e tentei desviar o olhar, mas ele se
recusava a sequer disfarçar, seus olhos pareciam querer perfurar meu coração,
tamanha a intensidade que exercia sobre mim.
-Anna? Você tá me ouvindo? Parece
que estou falando com esse poste.
Desviei o olhar da sacada para
minha amiga que me olhava meio irritada, meio confusa.
-Tô sim, Mari, eu só tava
tentando entender o que aquele senhor queria... – apontei para a sacada, mas
achei inútil continuar a fala, já que o velho não estava mais lá.
-Que senhor? Você tá bem mesmo?
Acho que esse estresse de mudança tá te fazendo mal. Vem, vamos entrar – disse ela
pegando a chave do portão da minha mão e me guiando pra dentro da casa nova...
da minha casa nova.
Antes de fechar o portão atrás de
mim, olhei uma última vez para a sacada da casa da frente, onde estava o velho,
novamente me olhando como se quisesse me passar uma frase apenas com o olhar.
muito bom :)
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