segunda-feira, 17 de março de 2014

Circo de horrores

Por detrás da cortina eu podia visualizar o palanque perfeitamente, o palhaço da vez estava de costas para mim fazendo sua apresentação. A plateia ria com gosto a cada frase que ele dizia, mas sua expressão me deixava cabisbaixa, como se não houvesse graça ali, embora eu não conseguisse decifrar suas palavras. Tive a leve sensação de estar no lugar errado.
                Elevei as mãos e toquei a maquiagem pesada que encobria meu rosto, um enfeite de cabelo incrustado de pedra adornava meus cachos, e pedrinhas menores e mais leves estavam presas no meu rosto, formando uma linha do canto do olho até perto da orelha. Sem dúvidas a produção estava correta, e de acordo com o palanque a minha frente. Desci minhas mãos pela lateral do corpo, alisando o colan mesclado de branco e azul. Também condizia com a apresentação. Mas o que eu ia apresentar? Minha produção, tão linda, parecia a de uma contorcionista. No entanto, eu não era nem um pouco flexível. Talvez uma dançarina, só que não me vinha a mente nenhuma coreografia pronta.
                Só restava esperar que o palhaço descesse do palco, e talvez ele soubesse alguma resposta. A expressão de sofrimento do cara com o nariz vermelho agora me assustava, eu não queria subir lá, o picadeiro parecia grande demais pra mim, como se fosse me esmagar quando pusesse os pés no centro. O palhaço fez uma reverência sofrida e veio em minha direção, a plateia ovacionou de forma feroz, quase clamando por mais. Ele passou por mim ignorando meus chamados, ora, será que não me ouvia? Antes de sumir entre as sombras, ele se virou para mim e sua expressão assumiu um ar de pena. Você é a próxima, quase pude ouvir seus lábios pronunciando, embora eles nem tivessem se movido.
                Não, eu não quero ir! Tentei correr, mas mãos vindas de todos os lugares me impediram. Quem eram aqueles? O cuspidor de fogo, o cara dos cavalos, o homem que andava em monociclos absurdamente altos, todos os que compunham um show de horrores juntos comigo. Eles me jogaram no picadeiro, e como suspeitei, ele era demasiadamente grande, mas não me engoliu como previra. Eu travei, sem saber o que falar, apenas um grito estrangulado ecoou, eu quero sair daqui! A plateia se desfez em risos, era isso que eles queriam. Como podiam ser tão cruéis? Acho que comecei a chorar, borrando a maquiagem perfeitamente pintada em meu rosto. Mais risos. Tentei focalizar o olhar naqueles que me aplaudiam, me surpreendi quando notei que algumas pessoas não riam de mim, aliás, elas pareciam ter pena de mim.

                Ora, pena ou graça? Era apenas isso que fazia meu show? Que tal algo mais? Sorri. Ri. Ri muito alto, como se a plateia me divertisse, como se a vida de cada um ali fosse um show particularmente engraçado. Eles pararam, agora eu era a única a me divertir. Fitei cada um nos olhos, e soube de imediato que eles riam mais satisfeitos por não estarem no meu lugar, por medo de serem as aberrações da vez, do que de mim em si. Eles riam para não ter que chegar a vez deles. Fiz uma pequena reverência e desci do palanque daquele circo de horrores. Minha vez ia chegar de novo. Eu ia voltar ao picadeiro e talvez me saísse bem pior que hoje. Mas naquele dia eu tinha vencido. Eu tinha ganho o espetáculo do dia no circo de horrores. Também conhecido como vida real.

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