Mesmo com os óculos vencidos, mesmo com a luz baixa do raiar
do dia, ela ainda podia ver aquilo. Aquelas cores que pareciam resplandecer
mesmo no breu. As cores fortes e cítricas da caneca que ganhara no último
aniversário de uma amiga querida. As cores de seus livros preferidos, o rosa
bebê, o cinza opaco, o verde claro.
Às vezes gostava de andar devagar pelo quarto, ou mesmo pela
rua, para observar melhor as cores. Não podia negar, elas lhe prendiam. Dois
passos, dois tons, duas sensações. Nunca gostou de falar sobre elas com aquela
amiga que via tantos sentimentos pintados em telas, gostava de dizer que não
ligava pra isso. Mas, tinha de admitir, gostava mais do que poderia deixar
explícito nos poucos comentários que fazia. Gostava do modo como a parede
branca do banheiro tinha leves tons de vermelho por causa da tinta de seu
cabelo. Gostava de como a cor da colcha da cama lhe deixava confortável estando
ali no seu momento de paz. Gostava de como suas roupas, quase todas em tons
escuros, transmitiam um pouco de si.
Gostava mais ainda, de quantas cores diferentes passeavam
através de seus olhos quando ouvia aquela melodia com sabor de infância, e
gostava de como aquela sensação de criança não havia sumido. Gostava de pensar
que, quando devaneava, tudo tinha os tons do céu, como se ali passassem seus
pensamentos mais secretos escritos com tinta negra.
Gostava de pensar que o mundo ficava um pouco mais colorido
quando ela sorria sincera, ou quando retocava seu vermelho do cabelo. Gostava
de pensar que quando ouvia uma música nova ou conhecia alguém legal, as cores brilhavam
mais um pouquinho. Gostava de ver o mundo colorido, mesmo sabendo que às vezes
o preto e o cinza predominavam. Ela também gostava disso, o tom mórbido parecia
lhe acolher como um abraço quente.
Gostava de cores, em todos os tons, e sabia que elas
significavam muito para si.
Adorava arco-íris, mas também sabia apreciar as chuva
cinzenta que o antecedia.