quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

O que a cor diz

Mesmo com os óculos vencidos, mesmo com a luz baixa do raiar do dia, ela ainda podia ver aquilo. Aquelas cores que pareciam resplandecer mesmo no breu. As cores fortes e cítricas da caneca que ganhara no último aniversário de uma amiga querida. As cores de seus livros preferidos, o rosa bebê, o cinza opaco, o verde claro.
Às vezes gostava de andar devagar pelo quarto, ou mesmo pela rua, para observar melhor as cores. Não podia negar, elas lhe prendiam. Dois passos, dois tons, duas sensações. Nunca gostou de falar sobre elas com aquela amiga que via tantos sentimentos pintados em telas, gostava de dizer que não ligava pra isso. Mas, tinha de admitir, gostava mais do que poderia deixar explícito nos poucos comentários que fazia. Gostava do modo como a parede branca do banheiro tinha leves tons de vermelho por causa da tinta de seu cabelo. Gostava de como a cor da colcha da cama lhe deixava confortável estando ali no seu momento de paz. Gostava de como suas roupas, quase todas em tons escuros, transmitiam um pouco de si.
Gostava mais ainda, de quantas cores diferentes passeavam através de seus olhos quando ouvia aquela melodia com sabor de infância, e gostava de como aquela sensação de criança não havia sumido. Gostava de pensar que, quando devaneava, tudo tinha os tons do céu, como se ali passassem seus pensamentos mais secretos escritos com tinta negra.
Gostava de pensar que o mundo ficava um pouco mais colorido quando ela sorria sincera, ou quando retocava seu vermelho do cabelo. Gostava de pensar que quando ouvia uma música nova ou conhecia alguém legal, as cores brilhavam mais um pouquinho. Gostava de ver o mundo colorido, mesmo sabendo que às vezes o preto e o cinza predominavam. Ela também gostava disso, o tom mórbido parecia lhe acolher como um abraço quente.
Gostava de cores, em todos os tons, e sabia que elas significavam muito para si.

Adorava arco-íris, mas também sabia apreciar as chuva cinzenta que o antecedia.