terça-feira, 28 de março de 2017

Contraste

Esticou a colcha da cama com um pequeno sorriso no rosto. Lembranças recentes não paravam de perturba-la. A quentura alheia. O contraste da pele, tão diferente da sua, enquanto seus dedos enlaçavam-se. Fechou os olhos por alguns segundos, deliciando-se, e terminou de fazer a cama.
Passou os dedos gentilmente pelo local antes ocupado por outra pessoa. Aquele sorriso lhe atingiu como uma flecha. Transmitia-lhe paz. Era doce, despreocupado. O olhar sereno e levemente vago ainda parecia fitar-lhe. E ela gostava daquilo. Começou a dobrar o lençol com delicadeza, não tinha pressa para terminar aquela tarefa, como se cada ato banal daqueles a fizesse reviver aqueles momentos. Retesou-se um pouco ao olhar para o cesto de roupa suja. Seria a primeira vez em meses que não jogaria os lençóis ali depois do que acontecera sobre eles.
Era a primeira vez em muito que ela não se sentia incomodada com o cheiro de outra pessoa misturando-se ao seu. Sorriu abertamente ao pensar nisso. Seu coração aqueceu-se um pouco com aquela sensação de que se libertara um pouco mais de antigos traumas. Tinha medo de parecer ridícula com esse pensamento, mas em seu íntimo orgulhava-se desse pequeno feito. Sentia-se um pouco mais crescida.
Terminou de dobrar os lençóis e suspirou. Aquele momento passou. A cama estava feita esperando-a aconchegar-se ali. Sozinha. Guardaria cada momento na sua mente como algo precioso. As palavras. Os gestos. Os momentos em que sua pele encontrava a outra. Talvez estivesse exagerando um pouco, mas não se importava. O que ela pensava só cabia a ela e ninguém mais. Aninhou-se na cama e prosseguiu seu dia como sempre. Como se tudo aquilo que se passava em sua mente fosse parte de uma história boa que guardaria para si por não querer mais ninguém metido.
Seus olhos estavam fixos na série que passava na televisão, mas sua mente a forçava a sorrir por motivos que nada tinham a ver com o humor americano apresentado. Pensava na corrente que quebrara ao manter os lençóis na cama sem se sentir incomodada com isso. Pensava em sorrisos que não saiam de seus lábios. Pensava na leveza que sentia.

Deixou sua mente descansar por alguns minutos enquanto tentava prestava atenção à TV. Seguiria em frente voltando às suas preocupações rotineiras. Mas as lembranças? Sempre poderia recorrer a elas quando precisasse.

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