terça-feira, 25 de outubro de 2016

Tons de roxo

Aquela sempre foi a pior parte do dia.
A hora de voltar pra casa. Sozinha, com meus fones de ouvido apagando a maior parte das pessoas ao meu redor. A rua com aquela horrorosa iluminação laranja que tanto tirava a emoção das coisas. Várias pessoas falavam ao meu redor, mas a melodia da canção era a única coisa em que me prendia.
Esse era o momento em que a solidão tanto apertava. Não podia conversar no celular, não tinha com quem falar pessoalmente... Era a perfeita definição de sentir-se sozinha.
A cada ônibus que dobrava a esquina, meu coração se enchia de esperança, até que o letreiro laranja me dissesse que não era ele que me levaria até meu destino. Fitei a rua com desinteresse, enquanto a música era substituída. Em meio a tantos pretos, loiros e castanhos, enxerguei uma cor diferente, que não estava nem perto do meu vermelho costumeiro. Era roxo. Me estiquei um pouco na ponta dos pés para tentar vislumbrar aquelas madeixas coloridas que haviam me chamado a atenção.
Era uma pessoa magra, com olhos um pouco puxados, cabelos curtos e hipnotizante. Ela passou por mim sem que eu conseguisse desgrudar os olhos dela. Tão... chamativa. Virei-me de costas para continuar olhando sem que ao menos me desse conta. Mas uma de suas amigas percebeu meu olhar antes mesmo de mim, e a cutucou, fazendo-a virar-se para mim. Ela olhou em meus olhos e sorriu, enquanto um calafrio percorreu minha coluna e eu voltei rapidamente a posição anterior, sem saber com certeza se eu havia sorrido de volta, ou se aquele sorriso bobo só estava no meu rosto depois de não ter mais contato com seus olhos. Que, por sinal, percebi serem um pouco mais hipnotizantes que seus cabelos. Sentia meu rosto queimar e meu coração disparar. “Droga!”
Tentei manter-me neutra e exalar indiferença. Mas cada célula do meu corpo implorava pra eu olhar pra trás e contemplar novamente aquela figura tão peculiar. Quando finalmente decidi que não era uma opção, o ônibus virou a esquina, fazendo com que várias pessoas se aglomerassem em frente a porta de entrada. Percebi que ela também subiria no ônibus. E talvez fosse prepotência minha, mas ela também pareceu me perceber, pois o olhar e o sorriso continuavam ali.
Quando as portas finalmente se fecharam, me encaixei em um cantinho que cabiam no máximo duas pessoas. Tirei o celular da bolsa e respondi algumas mensagens, esquecendo-me dos cabelos roxos por um tempo. Senti alguém encostar de leve em meu braço, mas não me importei muito em olhar quem era, até que uma cor surgiu na minha visão periférica. Levantei os olhos os arregalando um pouco, e dei de cara com ela. Não me olhava, sorria para uma de suas amigas, e eu não consegui desviar o olhar daquele sorriso.
Ela pareceu perceber meu olhar, pois virou-se pra mim, porém o sorriso continuava ali, e talvez fosse delírio meu, mas parecia ter alargado-se um pouco. Dessa vez tenho convicção de que sorri de volta, mas baixei o olhar rapidamente para o celular de novo, sentindo minhas bochechas enrubescidas.
A parada em que eu desceria estava perto, mas eu não tinha criado coragem para olhá-la de novo, sua pele quente ainda tocava a minha, e minha vontade de acabar com aquele contato era inexistente. Só que era preciso. Criei coragem para olhá-la uma última vez. Ela me olhou de volta, com aquele sorriso que inexplicavelmente parecia o mais bonito que eu já vira.
Sorri de volta, dessa vez sem desviar o contato. Passei a catraca e dei sinal. Olhei para o fundo do ônibus mais uma vez e me despedi da visão daquele sorriso encantador e daqueles olhos hipnotizantes. Algo ali, no modo como ela agia, me fazia pensar que não era a última vez que nós cruzaríamos sorrisos.

Mas o único modo de saber seria chegando a pior parte do dia seguinte. Que agora, não parecia tão ruim assim.

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